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A velha estrada dos almocreves

arqueologia

A velha “estrada dos almocreves”

Fiel à intemporal vocação que sempre marcou a vida do lugar, o Freixo, tal como a sua antecessora Tongobriga, sobreviveu porque continuou a ser capaz de atrair gente de fora e de longe. As características adversas da sua topografia e as limitações dos seus recursos naturais terão sido largamente compensadas pela sua localização geográfica.

Um sítio cuja sobrevida é garantida, antes de mais, por uma feira de caráter regional e por uma população flutuante numerosa que quase consegue fazer esquecer o vazio que toma conta do lugar na ausência dela, é um sítio que só sobrevive se bem servido de bons caminhos que lhe quebrem o isolamento e o salvem do ermamento. Caminhos que fossem capazes de trazer pessoas vindas de longe. Muito longe. O lugar exigia-os. E a feira que o sustinha dependia deles.

É lugar corrente destacar a importância que para esta região terá tido um velho itinerário romano ligando Bracara Augusta (hoje Braga) e Emerita Augusta (hoje Mérida). Seria ele a razão de ser do desenvolvimento urbano que Tongobriga então conheceu.

É também lugar comum afirmar que entre o fim do Império Romano e o advento de uma administração central forte do Estado português – algo que não existe antes do séc. XIII –ninguém tinha capacidade para rasgar novos grandes itinerários. Por isso se diz, com propriedade, que a rede viária romana estava ainda em uso nos tempos da primeira dinastia.

Este caso, porém, parece ser uma exceção. A região continua a ser, na Idade Média, atravessada por um importante itinerário: a principal ligação do Entre-Douro-e-Minho a Trás-Os-Montes e às Beiras. Mas o seu percurso não condiz com o da sua antecessora de tempos imperiais.

Uma via que alguns teimam em conhecer como a “dos Almocreves” – o que realça, desde logo, a sua importância como rota comercial – ligava o Norte, interior e litoral, ao Douro, alargando os horizontes desta região ao centro de Portugal e ao vizinho reino de Castela. Unia o Tâmega, em Canaveses, ao Douro, em Barqueiros. Pouco depois da ponte de Canaveses, permitia o acesso ao Freixo e à sua feira e seguia o seu rumo por Tabuado, Venda da Giesta, Fonte do Mel, Charrasqueira, Padrões, Teixeira e Mesão Frio, em direção a Lamego.

A importância desta via era tal que mereceu, nos primórdios da nacionalidade portuguesa, um investimento sem par: além da própria ponte de Canaveses e da sua albergaria, agraciadas com generosos donativos por Dona Mafalda, esposa do nosso primeiro rei, este último ousou tentar dotá-la de algo que só no século XIX se logrou concretizar: a construção de uma ponte sobre o Douro, obra ainda iniciada mas jamais concluída.

Será a esta via que se referem os testemunhos árabes de Al-Istrajri (séc. X) e Edrisis (séc. XII); será nela que se estabelecem várias albergarias, leprosarias e “hospitais” (Canaveses, Teixeira, Mesão Frio), e se (re) constroem pontes ainda no séc. XII (Canaveses, Barqueiros); será este o caminho que nos inícios do século XVIII é apontado como a principal ligação das Beiras ao Porto; será ainda o mesmo itinerário que é descrito com minúcia – com suas vendas e estalagens – nas “Memórias Paroquiais” de 1758; aquele que as tropas napoleónicas, com o seu pesadíssimo exército, tentaram trilhar em 1809. É esta a via que, em 1829, faz parte de um restrito lote de itinerários transnacionais, tida como a principal ligação terrestre entre Madrid e o Porto.

Ponte medieval de Canaveses, segundo gravura de 1864, por Inácio de Vilhena BarbosaDesengane-se, porém, quem pense que esta importante estrada pode ter sido uma criação recente. Ela já se desenha com a distribuição dos monumentos megalíticos da serra da Aboboreira; tem todas as características do que possa ter sido uma antiga rota de transumância; e não faltam, nas suas imediações, testemunhos de época pré-romana, romana e altomedieval a atestar um povoamento só possível se proporcionado por ela.