
A arquitetura doméstica
Apesar de Tongobriga já há muito estar plenamente integrada na Hispania Romana, seria preciso esperar várias gerações, até aos finais do século I, para assistir a transformações significativas no seu urbanismo e, em particular, na sua arquitetura doméstica.
No interior do espaço amuralhado, as escavações arqueológicas vão revelando, aos poucos, a sobreposição de um novo urbanismo com casas de tipo itálico – ou seja, domus de planta retangular e pátio central, inspiradas em modelos importados – à malha castreja que define os núcleos familiares que enquadram as casas de planta circular.
Tudo indica que as novas casas foram construídas e habitadas por descendentes dos que habitaram em casas de tipo castrejo, pelo que a mudança radical da arquitetura doméstica pode ser vista como símbolo da adoção do modo de vida dos romanos pelas populações autóctones. Sendo certo que o desenho e as técnicas de construção indiciam a presença de especialistas romanos, não há qualquer prova da instalação, em Tongobriga, de colonos ou imigrantes.
As velhas construções castrejas são desmanteladas, o seu espaço é reocupado com novas construções e as suas pedras são recicladas nas novas domus. Esta transformação é particularmente visível no sector mais setentrional do espaço urbano, no qual as escavações já revelaram, total ou parcialmente, cerca de uma dezena de casas romanas.
Embora as primeiras casas, do período correspondente à dinastia flávia, tenham ainda uma planta poligonal irregular, aproveitando os afloramentos graníticos e adaptando-se à topografia irregular, as domus que lhes sucedem já têm uma planta e organização mais regular, buscando a ortogonalidade, o que se traduz numa malha urbana mais geométrica, definida por eixos tendencialmente perpendiculares. Pela sua geometria e qualidade construtiva, destacamos a “Casa das Escadas”, a “Casa do Poço” e a “Casa do Impluvium”.
Esta última constitui um excelente exemplo de arquitetura doméstica de época imperial. Ela representa, de forma eloquente, a adaptação de modelos arquitetónicos importados à realidade local, pois embora essa inspiração seja evidente, a sua construção recorreu exclusivamente ao granito local, sem utilização de materiais ditos “nobres” ou de importação. Igualmente ausente da arquitetura doméstica privada de Tongobriga, está a utilização de pavimentos em mosaico e de estatuária ou qualquer outro tipo de escultura decorativa ou ornamental.
Porém, existem vestígios que revelam, senão luxo, pelo menos um elevado grau de conforto: alguns dos cubicula (sing. cubiculum) mostram ter tido soalho de madeira sobre o frio granito que lhes está na base e outros revelam ter tido paredes estucadas com vestígios de pintura. Nas áreas comuns, subsistem ainda restos de pavimento em opus signinum.
Tal como as restantes casas de tipo itálico, a chamada “Casa do Impluvium” organiza-se em torno de um pátio central descoberto – fonte de luz e de água – à volta do qual existe um corredor de circulação acessível a todos os compartimentos. Este átrio está rodeado por uma colunata que sustenta uma cobertura. No espaço aberto, ao centro, existe um tanque – o impluvium – destinado a recolher a água da chuva, posteriormente utilizada para fins domésticos. Ocupa um espaço de 33 x 22 pes, obedecendo, assim, a uma proporção vitruviana.
Com uma eventual exceção, a construção doméstica de raiz parece cessar, em Tongobriga, no século IV. A partir daí, a atividade construtiva revela pouca qualidade e reduz-se à transformação das casas já existentes, que são objeto de remodelações, quer através da alteração das suas divisões internas, quer através da abertura ou encerramento de acessos, sempre através de intervenções de menor qualidade arquitetónica.