No tempo dos Flávios

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No tempo dos Flávios: uma transformação radical

Ara votiva à deusa Fortuna (DC)Na sequência das reformas flavianas que estenderam o ius latii a toda a Península e assim elevaram muitas cidades à categoria jurídico-administrativa de municípios, prepararam-se extensos programas de obras públicas, cuja execução, por exigir avultados investimentos e mão-de-obra, se poderá ter prolongado até aos reinados de Trajano (98–117) e Adriano (117–138).

No caso de Tongobriga e área envolvente, é difícil dissociar os avultados investimentos que foram programados para o espaço urbano e os que, sensivelmente pela mesma época, foram exigidos, a menos de 2 km. de distância, para a construção da monumental ponte romana de Canaveses, dita “de Trajano”. A julgar pela marcação das milhas a partir de Tongobriga, a via romana que, passando o Tâmega em Canaveses e logo a seguir em Tongobriga, ligava Bracara Augusta a Emerita Augusta, deverá ter sido, senão aberta, pelo menos, renovada nessa mesma altura.

Outros grandes investimentos públicos na região, terão sido exigidos também pela construção das instalações portuárias, ainda muito mal conhecidas, mas que certamente existiram em Tameobriga, hoje Várzea do Douro, na confluência entre os rios Douro e Tâmega. Esse porto fluvial, ligado por estrada a Tongobriga, deverá ter desempenhado um papel muito importante no abastecimento e dinâmica comercial exigida por um centro urbano como o que aí se pretendeu erguer.

Em consonância com a promoção de Tongobriga a capital de civitas, terá sido delineado um projeto global de transformação urbana assente na criação de uma malha urbana de traçado hipodâmico, com modulação baseada no actus quadratus e cujos eixos, por princípio perpendiculares entre si e com orientação N-S / E-O, terão sido, em algumas zonas, adaptados à topografia, através da criação de eixos diagonais, de orientação a 45⁰. Essa “grelha” terá, a partir de então, sido alvo de um intenso processo de urbanização, que se prolonga nos séculos seguintes. A arquitetura doméstica inspirada em modelos importados substitui a arquitetura de tradição autóctone. E ainda nesta fase, também integrado na mesma malha urbana, é construído um edifício termal num espaço contíguo ao do balneário castrejo, que terá sido então desativado.

Para Tongobriga, foram destinadas todas as grandes transformações que são exigidas pela criação de uma cidade romana: a instalação das infraestruturas necessárias à vida quotidiana no espaço urbano; e a construção de um conjunto de edifícios públicos que passam a constituir o cerne da vida da comunidade. A vida doméstica e quotidiana dos tongobricenses sofreu igualmente transformações profundas, já que no espaço de duas ou três gerações, mudou radicalmente a forma de construir e utilizar as habitações, as suas dimensões e a sua organização interna, a forma de as cobrir e de as decorar. E tudo isto no contexto de uma continuidade do substrato populacional residente.

Em Tongobriga, os arquitetos que planearam esta “revolução urbana” ter-se-ão inspirado em vários modelos. De acordo com os estudos desenvolvidos por Charles Rocha, Lino Tavares Dias e Pedro Alarcão, o que se conhece da modulação urbana e de edifícios como o teatro apontam para o modelo de Bracara Augusta; e a distribuição e a relação espacial entre teatro e anfiteatro têm paralelos muito semelhantes em Emerita Augusta. Já a disposição dos compartimentos das termas revela inspiração no mesmo modelo que se observa, por exemplo, em Volubilis (Marrocos).